Goiás

FORMAÇÃO E DEFORMAÇÃO DO CIRCUITO DE ARTE EM GOIÁS
Divino Sobral (1)

Como em todo o Brasil, a constituição da História e do circuito de arte em Goiás é um processo muito recente. O circuito de arte goiano teve origem na segunda metade do século XX e completou 71 anos em 2016. O que havia anteriormente era uma produção muito escassa, autodidata e ligada às tradições popular e sacra, não formava um corpo coletivo e nem dispunha de meios de visibilidade, legitimidade e consumo.

Abordar a gênese do circuito de arte em Goiás implica em compreender uma mudança de padrão cultural proporcionada pelo surgimento de Goiânia, a nova capital do Estado fundada em 1933 e inaugurada em 1942, sob o auspício do programa marcha para o oeste implantado pelo governo Vargas. Criada para trazer a Goiás o signo da modernidade,Goiânia contou com urbanismo de Atílio Correa Lima e com edificações art déco que promoveram o corte com a paisagem e a arquitetura coloniais.

A cidade iniciou sua atividade cultural de maneira bastante provinciana. Em 1945, um dos arquitetos com formação na Escola Nacional de Belas Artes que veio trabalhar na construção de Goiânia, José Neddermeyer, liderou a criação da Sociedade Pró-Arte de Goiás (SPAG), entidade que reuniu até 1948 os primeiros intelectuais, músicos, escritores e artistas plásticos, e que promoveu as primeiras ações artísticas na cidade. Os artistas membros da SPAG trabalhavam com pauta fundada na estética ultrapassada da academia e estavam alheios ao conceito de modernismo vigente no país.

A Escola Goiana de Belas Artes (ligada à Universidade Católica) foi criada em 1951 por meio de ação liderada pelo goiano Luiz Curado (artista pouco expressivo, mas pessoa influente e grande articulador), pelo italiano Nazareno Confaloni (pintor e padre dominicano), e pelo alemão Gustav Ritter (escultor e arquiteto). Os três foram responsáveis pela implantação do ensino formal de arte em âmbito superior dez anos após a cidade ser inaugurada. A Escola Goiana de Belas Artes, que em 1952 entrara em funcionamento, deu origem ao processo de formação artística não só em Goiás, mas também representou o marco inicial para a região Centro Oeste, que à época possuía apenas dois estados de grandes territórios e que praticamente viviam isolados dos centros de poder do país: Mato Grosso e Goiás.

A atuação dos dois artistas europeus, formados por influências dos modernismos italiano e alemão, trouxe à EGBA em primeiro lugar o comprometimento com a ideia de arte moderna,e em segundo lugar a necessidade de estabelecer diálogos com o projeto dominante do modernismo brasileiro compromissado com as poéticas e as linguagens nacionais. O que implicou no consequente levantamento das características das paisagens humana e natural do território goiano. Curiosamente a elaboração da imagem da identidade goiana foi configurada em muito pelo trabalho de dois artistas estrangeiros.

Em 1954 aconteceu em Goiânia o 1º Congresso Nacional de Intelectuais, promovido pela Academia Goiana de Letras, e para a ocasião Confaloni (presidente da comissão organizadora), Curado e Ritterse revezaram na organização da primeira exposição de grande envergadura aqui jamais realizada, e reuniram mais de 300 obras entre arte popular, Veiga Valle, cerâmica karajá, fotografias de Joaquim Craveiro, artistas da EGBA e gravadores brasileiros. A exposição mostrou o moderno e o arcaico, o erudito e o popular, simultaneamente, e influenciou bastante no trabalho de formação da linguagem artística produzida posteriormente aqui. A conexão entre passado e presente, rural e urbano desembocou entre os anos 1960-70 em um modernismo que possuía como característica principal certa propriedade “rurbana”, na qual elementos provenientes do sertão e da cidade se justapunham. Um modernismo que nasceu sem se opor ao academicismo, que aqui não havia, e comprometido com a interpretação da realidade goiana, que chegou a resultados elaborados, mas que ao fim, cansado e em seu extremo, desembocou no regionalismo estéril.

Por uma década o circuito de arte em Goiânia se manteve em condições limitadas, ligado somente às atividades desenvolvidas pela EGBA. Porém a reverberação do trabalho desenvolvido pela escola e pelos artistas acarretou, em 1959, a criação pelo Governo do Estado do Museu de Arte Moderna de Goiás que funcionou apenas até 1961, exibindo mostras de artistas locais. Acredito que também colaborou para o nascimento do museu o orgulho despertado pela participação da jovem escultora Maria Guilhermina na V Bienal Internacional de São Paulo (1959), pois ela fora a primeira artista da região a adquirir visibilidade em importante instância do circuito nacional.

Dez anos após a criação da EGBA, por vários motivos, alguns artistas e professores, entre eles Gustav Ritter e Henrique Péclat, romperam com a Escola e passaram a trabalhar para a criação do Instituto de Belas Artes de Goiás, fato que se consumou em 1961. Já em 1963 o instituto foi integrado à Universidade Federal de Goiás, como uma de suas unidades pioneiras, era semente da qual cresceu a atual Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Praticamente por uma década Goiânia contou com duas faculdades de artes plásticas, uma privada e outra pública, até que em 1972 a EGBA foi transformada em Faculdade de Arquitetura da Universidade Católica de Goiás.

Outro acontecimento de destaque foi abertura do ateliê do artista paulista D.J. Oliveira em 1960 para jovens artistas da cidade, interessados em experimentar a criação em formatos mais livres das regras acadêmicas. O ateliê do Oliveira tornou-se a primeira referência de ensino informal e trouxe grande contribuição à formação de vários artistas que vieram a trabalhar com brilho durante as décadas posteriores, como Siron Franco, Ana Maria Pacheco e Iza Costa.

Até o final dos anos 1950 o circuito era bastante rarefeito; não havia museus, galerias ou crítica de arte, e o público que, geralmente, comparecia às exposições era atraído pelos concertos que sucediam suas aberturas.

Somente na década de 1960 começaram a surgir os primeiros eventos e espaços institucionais e comerciais. Os primeiros salões de arte destinados a dar visibilidade à produção local foram o I Salão de Artes Plásticas da UFG que aconteceu em 1963, e o I Salão do Artista Goiano que foi realizado em 1964 pelo Governo do Estado. Em 1969 a Prefeitura de Goiânia fundou o Museu de Arte de Goiânia, tendo o artista Amaury Menezes com seu primeiro diretor; a instituição foi aberta no ano seguinte, mas não conseguiu permanecer e logo foi fechada para só reabrir dez anos depois. Em 1970, com a repercussão da inclusão de uma sala com obras de artistas goianos na XI Bienal de São Paulo de 1971, o Governo realizou a Pré Bienal, para qual fora editado um catálogo de valor histórico, contendo fotos p/b das obras, ensaios críticos e entrevistas com os artistas participantes, entre os quais Gustav Ritter, Ana Maria Pacheco e Cleber Gouvêa.

Transitando em um meio cultural iniciante e inseguro os artistas tiveram que tomar atitudes que implicavam atividades fora do atelier. Foi assim que o mercado de arte em Goiânia surgiu por iniciativa da artista Maria Guilhermina, que em 1963 fundou a Alba Galeria, cujo nome foi alterado dois anos após para Galeria Azul, que se manteve em ação durante uma década. Ela também foi responsável durante os anos 1960, por colunas de arte na imprensa goiana, escrevendo para os jornais Folha de Goiás e O Popular (atuação bastante questionada por seus contemporâneos). Em1971 da união do referendado D.J. Oliveira com o jovem Siron Franco surgiu a Galeria Vila Boa, que não durou muito tempo. O mercado começou a se abrir por força dos movimentos acionados por artistas, e em final dos anos 1970 havia quatro galerias em funcionamento nas mãos de marchands que iniciaram o processo de profissionalização do mercado; uma inclusive, a Casa Grande Galeria, de propriedade de Célia Câmara (matriarca da família detentora dos maiores veículos de comunicação do Estado), teve atuação considerável na consolidação de carreiras, na revelação de jovens artistas, na difusão da produção por meio das mídias, na formação de colecionadores e de público para as artes plásticas.

Dentre as ações desenvolvidas durante os anos 1970 a mais importante, sem dúvida, foi o “Salão da CAIXEGO”, generosamente bancado com verba da antiga Caixa Econômica do Estado de Goiás entre 1973 e 1977. A primeira edição fora dedicada aos artistas goianos e tinha o título de Concurso Estadual de Artes Plásticas, as quatro seguintes tiveram abrangência nacional e passaram a chamar Concurso Nacional de Artes Plásticas. Ao abrir para uma concorrência nacional criou-se o momento necessário de encontro da produção goiana com as de outras regiões, pois as boas premiações atraíam artistas de inúmeras cidades do território; gerou a oportunidade de contato com pensadores da crítica brasileira atuantes no período; acarretou grande repercussão pública e atualizou o debate entre os agentes do circuito de arte local. A farta coleção formada por mais de duas centenas de obras adquiridas pela CAIXEGO formou um dos segmentos mais importantes do acervo do Museu de Arte Contemporânea de Goiás, para onde depois foi destinada.

Em 1977, após o falecimento de Nazareno Confaloni, para homenagear sua memória e agradecer por sua contribuição o Governo de Goiás criou a Galeria Frei Confaloni, o primeiro aparelho público do Estado destinado às artes plásticas. Nos seus quase quarenta anos de funcionamento a galeria se manteve sem investimentos, perambulou por diferentes espaços, até que, há dez anos, foi instalada na antiga sede do Museu de Arte Contemporânea, e hoje, abandonada pelo Estado e com má gestão, se encontra sem programação, sem rumo e em situação de risco, sob a ameaça de ser fechada.

Enfim, entre os anos 1960 e 1970 o circuito de arte ainda em formação não conseguia manter abertos os aparelhos que foram criados, nem mesmo manter a continuidade de eventos importantes como os salões e concursos – por mais questionáveis que hoje possam parecer, à época eles tinham um importante papel como plataformas de visibilidade da produção, pistas de pouso para artistas consagrados e de lançamento para os emergentes, além de formadoras de acervos. A impermanência tornou-se crônica e passou a afetar as ações posteriores, uma vez que o poder público raramente tomou para si a responsabilidade de fomento para o circuito de arte. A crítica de arte amadora foi produzida por profissionais provenientes da literatura e sem familiaridade com os códigos plásticos ou com a história e a crítica de arte, era formatada por textos vazios que apenas endossavam de maneira acrítica qualquer um que se arvorasse tomar os pincéis, que indistintamente laureavam artistas e se silenciavam ante as obras. A construção da história da arte tampouco foi preocupação dos “teóricos”. As consequências do programa de ensino da ditadura militar sobre a academia acarretaram o assentamento nas velhas fórmulas e desestimulavam as pesquisas mais rigorosas. O que parecia uma promessa de um momento ao outro poderia virar ruína. Neste quadro as ações dos artistas foram poucas revelando um gesto de acomodação e subserviência às estruturas precárias que foram sendo (mal) formadas.

II
Os primeiros anos da década de 1980 foram marcados pela atuação da Prefeitura de Goiânia, que em 1981 inaugurou a Sala de Exposição do Palácio da Cultura e em 1982 reabriu o Museu de Arte de Goiânia (MAG) em sua atual sede no Bosque dos Buritis. Uma década depois de ter sido criado e logo em seguida fechado, o MAG pôde dar abrigo ao seu acervo pioneiro composto por obras doadas por artistas goianos e por algumas gravuras de artistas brasileiros que integraram a exposição de 1954, doadas pela Universidade Católica de Goiás. As obras tinham sido armazenadas precariamente nos fundos do palácio da Cultura após o fechamento das atividades do museu. O acervo finalmente pôde ter uma reserva para ser guardado e uma sala de exposição para ser apreciado, além de espaço para se expandir. O MAG naquele momento passou a desempenhar funções de grande importância e ainda não implantadas no circuito, sua responsabilidade ante o patrimônio cultural foi redimensionada e suas inserções foram ampliadas com a realização, entre 1981 e 1986, de salões cuja abrangência passou do regional ao nacional, e cujas premiações contribuíram naquele instante para a atualização, ampliação e qualificação do seu acervo. Nesse período o MAG tornou-se o principal sítio de legitimação do artista, entretanto, devido a questões da administração pública, logo sua atividade tornou-se irregular, sua programação localizada e quase de gueto. Ao longo dos anos nasceram parcas tentativas de dinamizar e atualizar as práticas do museu, mas todas, é uma pena, terminaram por não muito lograr. Diante da irresponsabilidade dos governantes e dos percalços enfrentados ao longo do tempo, o MAG consegue hoje manter a reserva em situação de dignidade, manter uma biblioteca e um corpo de documentação sobre arte goiana e desenvolver com dificuldades ações de âmbito educativo. A sala de exposições do Palácio da Cultura encontra-se atualmente deteriorada, desprovida de quaisquer condições para exibição de exposições, o que causa grande dano, principalmente por deixar de oferecer espaço ao jovem artista.

Durante os anos 1980 houve grande transformação na paisagem, na sociedade e na economia de Goiânia: proliferava a indústria da construção civil erguendo edifícios e condomínios; surgiam novos bairros para classes altas ou médias que então se elevavam financeiramente; o padrão econômico foi impulsionado; a cultura de consumo e as necessidades de status social se ampliaram e se sofisticaram.

Tal transformação acarretou o aumento da demanda por obras de arte e assim o mercado assumiu um papel regulador que impunha regras à produção, que em sua grande maioria resvalou para o campo da decoração e se perdeu como produto descartável. Houve a explosão da produção e do consumo e como consequência o mercado de arte adquiriu dimensão extraordinária em Goiânia, visto que na década de 1980 foram abertas vinte e três galerias de arte privadas, com formatos e tendências diversas, além de quase três dezenas de espaços alternativos que realizavam exposições periódica ou esporadicamente. A produção artística estava direcionada a atender às demandas do mercado local e pouco se importava com a dimensão crítica e reflexiva do trabalho de arte, ou com o que era produzido fora.

Por cerca de dez anos, entre meados dos anos 1980 e da década seguinte, houve no circuito de arte de Goiânia a intervenção poderosa da iniciativa privada, por meio da instalação da Itaú Galeria, na sobreloja de uma agência do banco. A instituição era uma unidade da rede de galerias que abrigavam as exposições itinerantes promovidas por meio de edital patrocinado pelo banco Itaú. O trabalho da Itaú Galeria contribuiu muito para atualizar as informações dos artistas e do público local por meio do contato e do diálogo com artistas de outras localidades e com obras produzidas noutros contextos; foi importante também para projetar artistas goianos que, no início da década de 1990, estavam comprometidos com a pesquisa contemporânea.

Viveu-se naquele momento um frenesi social e uma ebulição no circuito cultural. Obras de artistas goianos foram estampadas em grande escala sobre empenas de edifícios espalhados pela cidade; artistas, galeristas e compradores se multiplicavam; a sensação de segurança e estabilidade do mercado se firmou entre seus agentes e ressoou junto ao público; o brilho do sucesso atingido por Siron Franco junto à crítica e ao mercado brasileiro cegava o risco do investimento. Todavia, no terreno onde alhos e bugalhos estavam continuamente misturados em um mercado inchado, que operava com valoração desmedida e com a promiscuidade crítica, e com a economia brasileira em decadência no final da década, o mercado de arte em Goiânia se retraiu, pouquíssimas galerias se mantiveram abertas, apenas as mais profissionalizadas, mas se mantiveram fechadas aos desdobramentos das novas gerações de artistas que aqui surgiram, e assim perderam o fio da meada da História da Arte.

No momento em que o Mercado iniciou sua decadência, ocorreu outra transformação na esfera da subjetividade coletiva e no modo de trabalhar institucionalmente as noções de identidade e de pertencimento. Foi fruto de ação patrocinada pelo governador Henrique Santillo, que criou vários aparelhos culturais destinados às diferentes áreas e que utilizou as empresas de comunicação estatais para difundir o mito do artista goiano, de sua excelência e de seu valor. Institucionalizou a cultura em favor do discurso político. Porém, como mito afogou-se no espelho dos projetos institucionais populistas e predatórios ao artista que muitos agentes começaram a desenvolver. Assim como a falácia do mercado, ao qual estava sempre ligado, não se sustentou na realidade. Como herança deixou para a cidade um conjunto de aparelhos que ainda hoje permanecem em funcionamento, uns a pleno vapor, outros sucateados e à deriva.

Dentro desse programa cultural, em 1987, foi criado o Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Goiás, que foi inaugurado no ano seguinte sob a direção da museóloga Rosângela Barbosa e com o nome de Museu de Arte Contemporânea de Goiás (MACGO). A inauguração ocorreu com a abertura da I Bienal Nacional de Artes de Goiás. Esta Bienal teve formato e periodicidade irregular, deixou de ser em âmbito nacional para se tornar apenas estadual, depois novamente retomou a concorrência nacional; após quatro edições deixou de existir. O acervo do MACGO é o maior do território goiano e abriga coleções formadas pelo Estado, como CAIXEGO e BEG, premiações das bienais, doações de artista e de particulares e de empresas, coleção Banco Central e coleção das obras premiadas pelas cinco edições do Salão Nacional de Arte Prêmio Flamboyant. O MACGO teve ao longo dos dezoito anos em que funcionou em sua sede de origem uma programação de altos e baixos, não conseguindo manter sua regularidade. Em 1999 passou por uma reforma em seu espaço físico que visava atender às exigências da época. A partir dessa reformulação houve uma sequência temporária de boas exposições, mas em meados da primeira década dos anos 2000, o Governo do Estado resolveu construir o Centro Cultural Oscar Niemeyer, e nele uma nova sede para o museu. Esta ação esvaziou os investimentos no MACGO.

III
A movimentação em torno das artes plásticas começou a eclodir por algumas cidades do interior goiano durante a década de 1980. Antes disso, a única cidade a criar uma escola de arte foi Anápolis, onde em 1968 o artista Oswaldo Verano criou a Escola de Belas Artes de Anápolis e começou a lecionar desenho e pintura. Por meio de ações da Prefeitura os aparelhos culturais destinados às artes visuais foram ampliados nos anos 1980: criação da Galeria Antônio Sibasolly, em 1982, para homenagear postumamente o artista que havia sido aluno da escola de arte e começava a adquirir destaque fora da cidade; inauguração do Museu de Artes Plásticas de Anápolis (MAPA) em 1989. Ambas tiveram sedes diferentes e passaram por períodos de aguda crise. O Museu hoje está instalado em sua sede e tramita o processo de aquisição do mobiliário para instalação da reserva técnica, o que implicará no amadurecimento da instituição. O Salão Anapolino de Artes criado em 1979 sob o impacto do Salão da CAIXEGO é o mais antigo em vigor no Estado; passou por períodos em que foi esquecido pela administração pública, mas manteve-se em atividade; de uns anos para cá, com o trabalho do curador Paulo Henrique Silva, passou por sucessivas alterações de formato que o enriqueceram com premiações mais graúdas e o dinamizaram com práticas de oficinas e de residências dos artistas premiados; a 22ª edição, realizada em 2016, foi ampliada para um panorama nacional, o que conferiu outro estatuto ao salão. Por sua posição geográfica entre Goiânia e Brasília, por meio do salão, está se criando em Anápolis um ponto de conexão entre produtores das duas localidades. Como consequência do trabalho desenvolvido, recentemente começaram a surgir alguns artistas de linguagem contemporânea que desenvolvem trabalhos potentes e que tem atraído atenção.

Aproveitando uma casa histórica doada ao município, em 1988 a Prefeitura de Jataí, cidade da região sudoeste, fundou o Museu de Arte Contemporânea de Jataí, apesar de não possuir um acervo para justificar sua existência, haja visto que não havia artistas produzindo regularmente na cidade. Por mais de dez anos o museu viveu no ostracismo completo, até que em 2002 foi criado o Salão Nacional de Arte de Jataí, que embora com muitas dificuldades se mantém e continua atraindo artistas brasileiros das novas gerações; o acervo que foi formado por meio das premiações e doações de artistas possui considerável importância, entretanto por falta completa de espaço e de mobiliário adequado à sua guarda e preservação está se deteriorando, e o mais grave sem perspectivas a curto ou médio prazo para que providências sejam tomadas. É de se observar que o trabalho de programação efetivado pelo museu, com ralos recursos, é insuficiente para despertar o surgimento de artistas locais.

Já em Inhumas, cidade pertencente á Região Metropolitana de Goiânia, o movimento surgiu da ação de um agrupo de artistas. Entre 1969 e 1993 existiu na cidade o festival chamado Grandes Revelações da Mocidade Inhumense (GREMI), uma espécie de festival de artes diversas organizado de maneira bastante provinciana, mas para aquele meio rarefeito da época tinha algum interesse. Talvez o festival tenha sido o fermento que potencializou o surgimento, em 1883, do ateliê coletivo que reuniu quatro artistas plásticos em torno de pesquisas que desembocaram na pintura contemporânea. O grupo de Inhumas, integrado por Luiz Mauro, Nonatto Coelho, Dijódio e Dipaiva, conseguiu adquirir visibilidade: em 1985 todos os membros foram selecionados para participar de mostra coletiva, realizada em Santos (SP); em 1990, Luiz Mauro participou do Prêmio Brasília de Artes Plásticas juntamente com os principais artistas da chamada Geração 80 Brasileira. Apesar das conquistas individuais, o trabalho do grupo não chegou a trazer um legado coletivo à cidade, pois o município ainda não se preocupou em criar aparelhos como um museu ou escola de arte que possam suportar a formação de novos artistas.

Em outras cidades do interior, como Catalão, Ceres e Cidade de Goiás, funcionam atualmente pequenas escolas de arte que formam e alimentam um pequeno grupo de artistas amadores, cuja produção, sem interesse artístico, ressalta de maneira óbvia aspectos da cultura regional.

IV
A década de 1990 abriu com a transferência do Instituto de Artes da UFG para sua nova sede no Campus 2 da Universidade; com esse movimento o modelo de ensino envelhecido e anacrônico passou a ser alterado com a saída de antigos docentes e com a consequente chegada de novos, com a inclusão de novas disciplinas e de outras metodologias de ensino. Ao longo da década de 1990 o caráter belas artes foi gradualmente substituído pela reflexão contemporânea.

O MACGO funcionou precariamente durante grande parte da década de 1990. Conseguiu organizar com o máximo de dificuldade e o mínimo de recursos sua reserva técnica, mas a programação era anacrônica, escassa e burocrática. Durante alguns anos abrigou as exposições do Prêmio BEG de Literatura e Artes Plásticas, realizado entre 1993 e 1997, destinado aos artistas goianos e patrocinado pelo extinto Banco do Estado de Goiás, formador de uma coleção questionável hoje integrada à coleção do MACGO.

Depois da efervescência da década anterior, durante os anos 1990 os artistas encontraram um quadro complexo e repleto de obstáculos com o estreitamento do circuito, coma rarefação do mercado para artistas locais, com a deterioração dos aparelhos como os museus e salas de exposições, com a falta de investimentos públicos no setor, com a ignorância e alienação da chamada crítica de arte, com o desenvolvimento de ações promocionais, institucionais e corporativas, que usavam o artista como instrumento de propaganda, sem muito lhe retribuir.

Enfim, durante a última década do século XX, o circuito de arte em Goiás viveu um período de congelamento e paralisia. Curiosamente, foi o momento em que uma nova geração começou a aparecer e a se firmar no circuito nacional, com participações em importantes exposições. Os artistas se desinteressaram do deteriorado meio local e procuraram nos circuitos externos as instâncias de legitimação e de inserção, por isso tornou-se corrente afirmar que a produção contemporânea goiana, principalmente a partir de 1995, foi vista quase que exclusivamente fora de Goiás.

Somente em 1999, com a reforma do MACGO, é que começou se a esboçar uma reação contra a paralisia, embora fosse ainda mal estruturada e não perdurasse na instituição, que anos depois mergulhou novamente na sombra. Formalmente falando, foi a partir da exposição Eu Vim de Artur Bispo do Rosário, que MACGO introduziu no circuito local a noção de curadoria e a prática da mediação com o público, enfocada naquele momento como ação educativa.

Enquanto quase todas as galerias de arte fecharam no final dos anos 1980, a Galeria Marina Potrich conseguiu dar um salto quantitativo e se afirmar como a galeria mais relevante dos anos seguintes. Em 1990 inaugurou uma nova e ampla sede e passou a trabalhar somente com artistas de linguagem contemporânea, principalmente brasileiros e alguns pouquíssimos goianos que haviam se afirmado durante a década anterior. Seu trabalho, por um lado, foi importante para a formação de muitos colecionadores que se dedicaram a acompanhar a produção daquele período, mas por outro foi distante do desenvolvimento da arte contemporânea realizada em Goiás. Após dez anos de sucesso o trabalho da galeria permaneceu, mas se esvaziou.

V
Durante a primeira década do século XXI o circuito começou novamente a reagir. Foi quando principiaram as práticas de curadoria, de mediação publica, de cuidados mais rigorosos com expografia e montagem, com edição de material gráfico das exposições. Infelizmente, como não houve muito avanço na área teórica, apesar dos cursos de pós-graduação existentes nas universidades, o meio ficou a carecer de curadores, críticos e historiadores (atividades a que poucos artistas se dedicaram para suprir lacunas, a exemplo de Amaury Menezes, Elder Rocha Lima, Carlos Sena Passos, e eu), fato que ainda agora perdura.

Sobretudo na primeira metade da década o MACGO esteve à frente dos principais acontecimentos artísticos com o trabalho desenvolvido pelo diretor Gilmar Camilo. Apesar de periodicidade irregular, realizou mostras de artistas nacionais e locais, assumiu um compromisso, ainda inédito em instituição pública goiana, com a linguagem contemporânea, o que impactou o circuito de arte de Goiás. Como disse anteriormente, com os problemas acarretados pela construção do Centro Cultural Oscar Niemeyer e pela consequente transferência do museu para a nova sede, o trabalho do MACGO foi minguando e tornando-se oficioso. Depois de 2006, quando foi inaugurada a nova sede, ficou mais seis anos fechado, abrindo raríssimas vezes para mostras que vinham prontas de fora, com alto suporte financeiro. Atualmente a sala principal está interditada pelo corpo de bombeiros, uma das salas de exposição do subsolo está impossibilitada de receber exposições por vazamentos de água pluvial, a reserva técnica está equipada com as obras devidamente acondicionadas. Com uma sede distante do centro da cidade, sem acesso por transporte público, com problemas na estrutura física, com quadro profissional precário, despreparado e oscilante, infelizmente o museu não consegue realizar sua função social de formação de público e de difusão da produção artística histórica e contemporânea.

Entre 2001 e 2006 as seis edições do Salão Nacional de Arte de Goiás – Prêmio Flamboyant deram grande impulso ao circuito e ao debate artístico. O salão foi realizado por meio de parceria entre poder público e empresa privada, suportado pelo maior shopping da capital com apoio da Agência de Cultura do Estado. A importância do salão foi enorme para o circuito local, uma vez que demandava a ação qualificada de vários tipos de profissionais ligados às diversas frentes de trabalhos requeridas por uma exposição deste porte e encarada tanto como uma ação cultural quanto ação de marketing. Os processos de organização deste tipo de mostra chegaram a níveis de qualificação ainda não vistos em Goiás e reverberou como influência sobre as demais instituições, da capital e do interior, cada um com sua devida medida.

Em 2002 foi inaugurada a Galeria da Faculdade de Artes Visuais da UFG, fruto de projeto concebido Pelo professor e artista Carlos Sena Passos, que implantou um programa de exposições desvinculado do exercício acadêmico e compromissado com a difusão da produção artística contemporânea, focado principalmente na realização de mostras coletivas que apresentavam obras de artistas locais, nacionais e internacionais; a galeria com seu trabalho de produção de exposições próprias, formação de acervo, edição de material gráfico, mediação das obras com o público, passou a funcionar também como laboratório, contribuindo para formação de pesquisadores, jovens artistas, arte-educadores e designers.

Com o entendimento da importância do trabalho desenvolvido pela galeria para a quebra das barreiras que isolam universidade e sociedade e para a dinamização do circuito artístico, a UFG inaugurou, em 2010, o Centro Cultural UFG (CCUFG), seu maior aparelho destinado à cultura. Concebido e dirigido também por Carlos Sena Passos, o CCUFG passou a abrigar o acervo formado inicialmente na Galeria da FAV e pôde ampliá-lo consideravelmente em volume e em importância das obras, chegando hoje a ser um dos mais relevantes acervos de arte contemporânea brasileira na região Centro Oeste. Além das duas galerias, possui sala de ação educativa e reserva técnica mobiliada aguardando a instalação das obras. Por estar bem equipado, é a única instituição preparada para exibir mostras de vídeo. Desenvolveu principalmente exposições coletivas de arte contemporânea produzida em âmbitos estadual e nacional, acompanhadas de catálogos bem editados que imprimiram outro padrão de qualidade, e começa a desenvolver ações de mediação com o público. Opera como laboratório para formação de estudantes de artes visuais, design e museologia. Atualmente, com a crise econômica afetando as universidades públicas, o CCUFG necessita redefinir seu modo de atuação.

Foram poucas as iniciativas empreendidas por artistas, do início dos anos 2000 para cá, na tentativa de extrapolar os limites institucionais e mercadológicos do circuito de arte. O nível de reação sempre foi muito baixo para solicitar ou propor ampliações, adensamentos, consequências. Das poucas iniciativas destaca-se o trabalho do Grupo EmpreZa, criado em 2001 como grupo de estudos que reunia professores e estudantes da FAVUFG; a atuação do grupo dedicada à exploração da performance e da bodyart prescindia dos espaços instituídos e passava a intervir em locais públicos, ruas, festas, bares, lugares sem nenhum envolvimento com o circuito de arte, o que forçou o dilatamento do circuito.

Artista integrante do Grupo Empreza desde sua origem, Babidu Barboza criou em 2002 um evento chamado Cabaret Voltaire, retomando o nome do bar que foi foco do movimento dadaísta em Zurich; tratava-se de um bar e uma festa performática simultaneamente, que com o tempo passou a transitar por onde o artista resolvesse editá-lo; entre 2007 e 2008 o Cabaret Voltaire passou a ter sede na residência do artista, que se tornou um importante local de experimentação e exibição de performance, chegando receber em 2016 a chancela de sede oficial no Brasil concedida pelo Cabaret Voltaire de Zurich, em comemoração ao centenário de criação do dadaísmo.

Outra ação ocorreu em 2013 com a criação do Espaço Labiríntimos, empreendida pelos artistas Anna Behatriz Azevedo, Glayson Arcanjo, Odinaldo Costa e Gilson Andrade; foi um local de experimentação, produção e interação dos artistas e das obras com o público, porém funcionou por apenas um ano.

Com o desinteresse das poucas galerias privadas existentes em Goiânia pela produção dos artistas contemporâneos (raros foram de fato absorvidos, principalmente os ligados á pintura e ao desenho), as poucas reações vindas de artistas se deram de maneira modesta, mas com propostas claras: a Plus Galeria foi criada, em 2010, pelo casal Lydia Himmen e Oscar Fortunato para dar vazão à produção de ilustração e grafitti que prolifera; a R³ Gabinete de Arte surgiu,em 2016, da minha ação associada com Cleandro Elias Jorge e Guilherme Wohlgemuth, para difundir a produção de arte contemporânea de Goiás, mantendo em seu elenco artistas referenciais ao lado de novos nomes que estavam ocultos das galerias tradicionais da cidade. São espaços de resistência que buscam ampliar o circuito a partir de micropolíticas culturais.

VI
Ao observar o percurso histórico do circuito de arte em Goiás, olhando o trilhar das instâncias de formação, legitimação, exibição, consumo e fruição da arte, chega se à triste constatação de que sua estrutura ainda está por ser solidificada. O estado de impermanência ou de precária existência o assombra, em todo momento. A descontinuidade é a tônica das instituições e a fragilidade a do mercado. Ocorreram (e ocorrem) sucessivos movimentos antagônicos de formação e deformação que afetaram (e afetam ainda) o segmento institucional, sobretudo, colocando-o dentro do círculo vicioso que não lhe permite amadurecer sua identidade bem como a qualidade do serviço que presta à sociedade. Ao longo de mais de sete décadas de História o circuito de arte em Goiás foi formado e deformado, construído e desconstruído. Houve sim um desenvolvimento com a atividade de várias gerações de artistas, com o surgimento de diferentes instituições e até com a formação de um mercado, entretanto muitos dos avanços retrocederam por motivos diversos, e tudo, de repente, foi ou ainda pode ser desmontado e lançado para trás.

Nota:
(1) Divino Sobral, artista e curador independente. Goiânia, novembro de 2016. Texto apresentado no Seminário Livre-troca. Maceió, dezembro de 2016.