Rio Grande do Norte

O CIRCUITO ARTÍSTICO DAS ARTES VISUAIS NO RN: TENTATIVAS E ARTICULAÇÕES
Sanzia Pinheiro

Não pretendo fazer aqui uma análise do circuito local, e sim uma identificação de pontos ativados que desenvolvem alguma ação no campo das artes visuais com ênfase na cidade de Natal. Não é um mapa, por que não há o detalhamento característico das cartografias.Também não me deterei em citar artista, apesar de ser a força motriz do circuito, porque o projeto Livre Troca está focado nos espaços autônomos, o que me fez perceber quantas tentativas existe e a necessidade de uma articulação entre esses esforços.

Trago aqui dois projetos que considero de extrema importância para o circuito local no que diz respeito a formação e difusão a saber: o 10 Dimensões e o Bode arte. O primeiro pela capacidade de mobilização de artistas e pesquisadores atuantes na arte e tecnologia e o segundo por se constituir em uma zona autônoma temporária.Procurei escutar os gestores/fundadores/articuladoresdos espaços autônomos existente no Rio Grande do Norte.

Natal é uma cidade que tardiamente tem contato com o modernismo através de dois artistas, Newton Navarro e Dorian Gray. A arte produzida até então procurava copiar naturezas mortas, europeias e cenas da vida da Grécia antiga. Newton Navarro em 1948 realiza a primeira exposição de desenho e pintura modernista, logo Dorian Gray se junta a Navarro nesse novo modo de fazer arte. Apenas nos primeiros anos da década de 1960 surgem novos artistas que buscam valorizar os temas e as coisas do lugar.

A década de 1960 é caracterizada por modificações políticas, morais e, sobretudo artísticas. Em 1967 é inaugurada a exposição que lança o Poema Processo, em dezembro, simultaneamente em Natal e no Rio de Janeiro. Moacir Cirne, nas suas idas e vindas articula um grupo de inquietos poetasque juntos constroem um nicho de discussão e acolhimento da vanguarda que até a década de 1970 se articula com o que há de mais avançado na produção artística do país.

O Poema Processo nasce de condições históricas e sociais dominantes no Brasil e no mundo. Trata como processo, as relações de devir ocorridas nas estruturas do poema, individualizando seus componentes ou aceitando a sobre-criação de um novo produto através da manipulação criativa do consumidor/leitor. Para construção desse objeto/poema criou-se uma teoria/guia elegendo características. Alguns artistas que faziam parte do poema processo se inseriram nas redes da arte correio e passaram a trocar com artistas de diversos países internacionalizando a arte produzida em Natal.

As décadas de 1970/1980 são marcadas pela realização do Festival do Forte que envolvia diversas linguagens artísticas e se torna conhecido nacionalmente, esse festival era um espaço autônomo temporário, pois eram os próprios artistas que organizavam. Na edição de 1984 ocorre uma mostra de vídeo arte, que integra o VII Salão Nacional de Artes Plásticas, além das performances e exposições.

Houve um forte arrefecimento nas ações e no próprio circuito. As pessoas encaretaram e na década de 1980 surgiu o grupo Oxente composto por Guaraci Gabriel, Sayonara Pinheiro, Cicero Cunha e Civone Medeiros. Realizam intervenções em espaços públicos, muros abandonados, casarões históricos, vão a Brasília e São Paulo e quando voltam o grupo se desfaz. Ainda nos 1980 alguns pintores (Novenil Barros, Fernando Gurgel, Cristina Jácome entre outros) se organizam e criam o Nucle’art. Alugam uma casa e fazem dali um atelier coletivo, um espaço de encontros. Esse grupo realiza uma exposição em Recife, se desfaz e cada um segue pintando suas telas, procurando de modo solitário estratégias de sobrevivência seja com a arte ou outro meio.

ESPAÇOS AUTÔNOMOS
Apesar de desde 2003 existir no país um esforço de fortalecimento das políticas culturais, especificamente com o governo Lula, só a partir de 2010 é que os espaços independentes vão aparecer em Natal. Um grupo toma a inciativa de criar um espaço cultural e inicia uma série de campanhas e mobilização da população e de pessoas influentes na cidade e criam o projeto Casa da Ribeira, que leva poucos anos para se erguer. Fundada em 2001 funciona em um prédio histórico e possui em sua estrutura um Teatro com 164 lugares, uma espaço expositivo, um laboratório de ideias, um acervo literário com mais de 1400 títulos e um café. Espaço idealizado pelo Grupo de Teatro Claows e Shakespeare e atualmente administrado por dois produtores e um ator, através de uma associação cultural com personalidade jurídica própria. Quando inaugurada tinha o espaço expositivo – Sala Petrobras, que logo perdeu o patrocínio. A Casa da Ribeira – como é chamada – levou a Natal inúmeras exposições de arte contemporânea, de significativos artistas inseridos no circuito nacional de arte e firmou parceria por alguns anos com o Instituto Itaú Cultural. As exposições que a casa apresentou até então em sua grande maioria são, eventos prontos, com baixíssimo diálogo com a produção local.

Entre inúmeras crises e até mesmo fechamento de portas, a Casa da Ribeira vem se mantendo e um dos últimos projetos voltado para as Artes Visuais é o Arte e Praia que se encontra na 3ºedição. A Casa da Ribeira vem se consolidando como um lugar para as artes contemporâneas dedicado a convivência e a participação dos mais diversos públicos. Hoje a Casa da Ribeira é um espaço cultural independente pela cidade de Natal, como o Circuito Cultural Ribeira e o projeto Arte Praia, e em 2013 iniciou atividades em São Paulo.

DUAS ESTÚDIO
O Estúdio Duas é resultado de um esforço contínuo das artistas Elisa Elsie e Mariana do Vale e surgiu motivado pela escassez de espaços na cidade para pensar as Artes Visuais no cenário da arte contemporânea. Como espaço físico existe desde 2012, com foco mais específico na discussão sobre a fotografia contemporânea. Com o desejo de congregar e oferecer um espaço cultural plural que pudesse reunir diferentes pessoas para pensar a fotografia.

O espaço tem a intenção de fomentar a produção, o ensino e o estudo das artes visuais na cidade, com foco na fotografia contemporânea. Além disso, o próprio espaço convida a uma interdisciplinaridade reunindo grupos de diferentes áreas de atuação como arquitetura, antropologia e moda.

O Estúdio Duas desenvolve distintos projetos atualmente. Um deles é a escola de fotografia, que oferece 5 cursos regulares – além de oficinas com professores convidados – pautados nos processo criativos e abordagem técnica na fotografia. Mantém também a Galeria Duas que procura dar visibilidade à produção da fotografia potiguar contemporânea. O Duas é também uma produtora cultural, promove residências artísticas e já realizou 15 edições do Bazar Independente – em parceria com a editora independente Jovens Escribas.

Por oferecer diferentes atividades, o Espaço Duas recebe um público também eclético e variado. Entre visitação da galeria, alunos da escola e frequentadores dos eventos, temos um público que varia entre 16 e 65 anos. O objetivo, segunda as fundadoras é acima de tudo formar um público consumidor [e possivelmente produtor] da arte contemporânea potiguar.

CASA CHIAPAS
A Casa Chiapas teve 6 meses de existência (2015). Organizada por João Pedro Tavares e Alessandro Fontinele (Alê). Articulava uma Cultura libertária, arte, política e anarquismo e tinha por objetivo pensar cultura fora da academia. As atividades envolviam os mais distintos campos como – misticismo, permacultura, arte, poesia, jardinagem entre outros. Segundo João Pedro, “as ações enviesadas iam pra casa e a gente acolhia. Oficinas, festas, vivências, troca de ideias ou simplesmente dormir”.

Era também o espaço de residência dos dois fundadores que em sua estrutura tinha uma cozinha americana que segundo João Pedro possibilitava ações gastronômicas constantes. Estávamos sempre comendo, cozinhado. Tudo virava um evento lúdico, político e de cooperação. O público eram estudantes universitários e a divulgação era na página do facebook. Os eventos tinham uma intenção, mas não tinham programação.

Artistas que passaram pela casa seja com oficinas ou outra proposta: Sofia Porto Bawchitz (RN); Lucas Soares (PR); Jorge Luis (SC/RJ); Alex Castro; Diego de Santos (CE). A Casa Chiapas desenvolveu as seguintes ações:
BICHA BLAK BLOC – Vivencia com Jorge Luiz(SC) lançou panorama da história Queer e solicitou uma produção de cada participante (colagens, desenhos etc – cada um analisou sua própria obra – trazendo assuntos para pensar a questão da ação direta LGBT e Queers. ENCONTRO COM OS ASTROS – Curso de astrologia com professora Maria Luiza do curso de Artes Visuais /UFRN. Havia mensalmente uma DR da casa; JARDINAGEM/permacultura/manutenção do prédio era um evento. Muitos projetos foram apenas planejados como FM REBELDIA – projeto de ação artística contra a Copa do Mundo, era um trio elétrico pela cidade com distribuição de panfletos de caráter político poético– o burburinho foi legal. Produtivo, chegaram a produzir um vídeo.

CASA VERMELHA
Existe desde 2010, com inúmeras paradas. É também a residência da artista Sayonara Pinheiro. A casa recebe artistas e discute projetos. Atualmente desenvolve o projeto INarteurbana, 2ª edição, um projeto de arte e cultura urbana, transdisciplinar composto de ações que incentivam a inclusão e interação coletiva gerando capital humano é uma parceria da Casa vermelha e a Associação Francesa Pixo, atuam na comunidade ribeirinha ao rio Potengi denominada Passo da Pátria.

Dentre as ações realizadas está a exposição de graffiti; criação de escultura como equipamento de convivência em comunidade; mostra de filme; oficinas de artes visuais que acontecem em espaços públicos. Para essa segunda edição foi convidada a grafiteira francesa Mademoiselle Maurice que construiu um barco e confeccionou origamis com as crianças que com estes contavam suas próprias histórias; a realização de painéis de graffiti nas ruas da cidade. Meu Corpo, Minha Comunidade é outra ação do projeto, são caminhadas pelas ruas com os moradores fazendo um diagnóstico através de desenho e comentários procurando realizar um urbanismo tático.

A Casa Vermelha costuma receber artistas independentes e ativistas de distintas áreas.

SURTO CULTURAL
O surto surgiu em 2014, a partir de uma inquietação de Clarissa Torres que via a casa de seu avô, falecido, fechada e triste. Decide alegrar aquele espaço com pinturas, amigos e eventos. O nome surto nasce do desejo de ver burilando ali diferentes linguagens (dança, literatura, cinema, música, gastronomia, artes visuais, teatro). Essa ideia mostrou-se fértil, pois os diferentes eventos promovidos articularam públicos diversos que ajudaram a divulgar o espaço.

Depois de uma breve pausa, o espaço abriga hoje uma galeria e diferentes coletivos e escritório de arquitetura: COLETIVO ABOIO – (Rodrigo Fernandes, Viviane Fujiwara e Clarissa Torres). COLETIVO MOINHO (arquitetura); MOBIDIQUE (Coletivo de jornalistas/escola de comunicação). GERMINI – Escritório de arquitetura.

O foco do Coletivo Aboio que está a frente do Espaço Cultural é o grafiti e atualmente desenvolve o projeto ENERGIA COLETIVA com o patrocínio da Cosern. Trata-se de grafitar as subestações com frases educativas. A cada muro o Surto convida 3 grafiteiros da cidade.

ESPAÇO ALUMIAR DE FOTOGRAFIA
O fotógrafo Numo Rama, construiu uma galeria no semiárido sertanejo potiguar e lidera o movimento Alumiar de fotografia que desenvolve como ações, residências artísticas e cursos. Localizada na Pedra da Boca, na Pousada da Fulô, divisa com a Paraíba/Rio Grande do Norte. Segundo Numo suas propostas “gravitam em torno da discussão e provocação de uma consciência artística a partir de princípios embasados na identidade do indivíduo e que o mesmo manifeste e codifique suas inquietudes”.

No espaço acontecem palestras, críticas e análises de projetos, desenvolvimento de ideias que culminam em projetos práticos e de cunho bem autoral. Os frequentadores vem de diferentes estados brasileiros como Rio, SP, Goiânia, Curitiba, entre outras cidades. O fotógrafo procura promover saberes que sensibilizem as pessoas, ajudando-as a terem mais consciência e capacidade de se posicionarem com maior propriedade perante o que se dispuserem a realizar no campo da imagem.

CASULO AMARELO
O casulo Amarelo foi uma casa de artistas que existiu por quase um ano (2015/2016) que promovia rodas de samba, cursos, oficinas etc. Uma convivência de feministas e transexuais.

CASA DE PEDRA
Casa de Pedra é um espaço de encontro e atelier dos artistas Adonay Dantas, Custódio Jacinto de Medeiros e Rachel Lúcio. Localizada no Seridó, precisamente na cidade de Caicó, os artistas oferecem oficinas, realizam exposições, fazem lançamento de livros e promovem encontros entre os artistas da cidade.

A BOCA ESPAÇO DE TEATROS
O Movimento n’A Boca tem o propósito de reunir várias linguagens artísticas e promover a apreciação das produções e realizações potiguares, em parceria com os artistas da cidade. O objetivo dessa união é colaborar com a manutenção e aluguel da Boca, espaço cultural de resistência no histórico bairro da Ribeira, mantido de forma independente por artistas e produtores culturais. Quando assistimos a um bom espetáculo de teatro, muitas vezes nossa expressão para descreve-lo é: “é de cair o queixo” ou “fiquei de boca aberta”. Claro que quando a peça é ruim logo falamos: “Passei o tempo todo abrindo a boca”.

E nos parece que essas não são as únicas associações do Teatro com a boca. A fala, o grito, o canto, um sussurro, um riso: são expressões desta parte tão sensorial do nosso corpo. Sensorial e fatal, pois afinal também morre-se pela boca e por ela matamos a nossa fome. A Boca veio, então, para saciar a fome de teatro da cidade.

A Boca Espaço de Teatros é a sede da Bololô Cia. Cênica, o lugar que reúne os seus fazeres teatrais, e se localiza no prédio de número 16 da Rua Frei Miguelinho, Ribeira, objetivando fortalecer a cena teatral natalense através de suas pesquisas, montagens, apresentações de espetáculos e experimentos, oficinas e workshops.

A Boca também está aberta para outros grupos e coletivos que tenham interesse em ocupar o espaço. Mais informações: 84 99100-5352.

PROJETO 10 DIMENSÕES
O Projeto “10 Dimensões: Diálogos em rede, corpo, arte e tecnologia”, ativo desde 2009 o propositor foi o artista Fábio Fone nasceu como um projeto interinstitucional articulando UFRN (líder)/UFPB/IFRN/FAPERN). Contemplava a realização de um ciclo de discussões e debates alternado entre as cidades de Natal (IFRN) e João Pessoa (UFPB). Atualmente FAPERN e a UFPB não participam. O projeto 10 Dimensões tem como objetivo a realização de encontros com conferencistas que atuam na área de arte e tecnologia e de material online. O projeto 10 Dimensões se reformata a cada edição, já aconteceram exposições coletivas, ações e sempre contempla oficinas. Atualmente o projeto é coordenado pela ProfªDrª Laurita Salles.

CIRCUITO BODE ARTE DE PERFORMANCE
Projeto criado e produzido pelo coletivo ES3 (André Bezerra, Chrystine Silva e Yuri Kotke). Voltado ao mapeamento da produção da performance arte no nordeste, desde a primeira edição, participaram performer de todo território nacional. O festival Bode Arte, é lançado a partir da cidade de Natal-RN com intuito politico, artístico e provocador de promover o diálogo em rede entre performance e entre estes e o público. Um espaço temporário de travessias e deslocamento, politicas e corpos, processo e memórias. O circuito inclui fórum de discussões. Aconteceram 3 edições, desde a primeira edição participaram performer e grupos de todo o Brasil mobilizando na segunda edição mais de 100 performances.