Territórios indígenas

TERRITÓRIOS INDÍGENAS: ARTE – ATIVISMO – POVOS INDÍGENAS – RESISTÊNCIA
Naine Terena (1)

A Imagem como instrumento de luta é uma realidade cada vez mais latente entre os povos indígenas em todo o mundo. Se antes, as  distâncias geográficas separavam o pensamento e realidade indígena do ‘mundo lá fora’, hoje temos acesso as narrativas construídas pelos indígenas, em virtude da distribuição desses conteúdos através das redes de comunicação (em especial a internet).

Nações e povos nativos em todo o mundo, atuam fortemente para descolonizar os direitos à comunicação e informação, e reivindicam  o direito de apresentarem-se como sociedades autóctones, capazes de demonstrar a vital contribuição para a vida cotidiana, para a construção de ideias, princípios e valores capazes de proporcionar um ‘bem viver’ material e espiritualmente da sociedade mundial (Este parágrafo faz alusão ao texto da declaración final da iii cumbre continental de comunicación indígena de abya yala, escrito em tiquipaya 2016).

É neste contexto que ocorre a curadoria das obras que poderão ser assistidas durante a Mostra de vídeos proposta pelo Projeto Livre Troca. A seleção propõe visibilizar ações de etnomídia – em especial o audiovisual que debate o tema Territórios indígenas e prima por trazer a tona a questão de terras, focando diferentes espaços geográficos: dos Tupinambá aos Guarani Kaiowa, da fala da criança à narrativa sobre lideranças e mulheres indígenas, mostrando que a morosidade e descaso para a realização das demarcações de terras são como uma grande ferida espalhada em todas as regiões do país.   Proponho que o público acesse as produções que circundam este tema e as formas de resiliência indígena.

Cabe ressaltar que mesmo  demarcando neste texto e na seleção  o território da Etnomídia, trago para esta Mostra, não apenas a produção de indígenas. Mesclo-a com os vídeos  de diretores não indígenas que se dedicam a dura missão de roteirizar o ativismo – resistência – indígena, muitas vezes se expondo a situações de medo e violência.  Empresto alguns  trechos da apresentação do livro “E se o outro não estivesse aqui”, de Carlos Skliar (2), para falar sobre esses produtores audiovisuais que estão envolvidos no registro das causas indígenas: “Em todo outro existe o próximo –  esse que não sou eu, esse que é diferente de mim, mas que posso compreender, que posso ver e assimilar(…) esse outro que “já foi suficientemente massacrado, Ignorado, silenciado, assimilado, industrializado, globalizado, cibernetizado, protegido, envolto, excluído, expulso, incluído, integrado. E novamente assassinado, violentado, obscurecido, branqueado, anormalizado(…) “.

O outro nos olha…

Este é o desafio desta proposta. Buscar através das audiovisuais selecionadas, a possibilidade de proporcionar a percepção deste outro – o indígena – diante do caos existente no contexto de demarcações de terras no país, da recorrente tentativa de invisibilizar suas lutas; de reproduzir os estereótipos, em contraponto com os movimentos de resistência que já perduram 516 anos.

Das obras:
Retomar para existir
A jornalista indígena Olinda Muniz dirige este documentário que traz a história de Nailton Pataxó, marcando a presença das mulheres na produção audiovisual indígena. Lançado em 2015 (21min), o vídeo apresenta a  trajetória de luta e resistência do Cacique Nailton Muniz, do Povo Pataxó Hã hã hãe  (que também tem origem Tupinambá). Respeitado pelo movimento indígena em todo o país, Nailton foi figura importante na  reconquista da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu em Pau Brasil.  Para Olinda, registrar esta história, é contradizer o que se tem dito sobre os Pataxó Hã hã hãe, pela mídia de Massa. Este povo,  sempre foram alvo de reportagens preconceituosas da grande mídia durante o processo de retomada das terras –  acusados de invadir propriedades e sem espaço de resposta para expor sua versão dos fatos noticiados na televisão ou mídia impressa.

Sal Tupinambá
Produzido pelo Coletivo OCA digital, formado por indígenas de diferentes etnias da região nordeste do Brasil, o  filme “O SAL TUPINAMBÁ” é um recorte do documentário de meia metragem: “TUMBALALA, TUPINAMBÁ, IRMÃOS NO MUNDO”, dirigido por Sebastián Gerlic. “O SAL TUPINAMBÁ” teve várias versões remix através de um projeto da ONG Thydêwá. Produzido em 2012, chama a atenção para a importância da terra para os indígenas, neste caso os Tupinambá. A Ong Tidewa se dedica a realizar atividades que visam o protagonismo indígena, através das linguagens distintas, estimulando formação em audiovisual, produção de obras literárias entre outras. Na atualidade, os Tupinambá ainda lutam pela demarcação de suas terras.

Parlamento Indígena (vídeo censurado Câmara) – Grito 5 ÍNDIO CIDADÃO
Este vídeo contém um pouco mais de 8min38seg e faz parte de uma série de conteúdos produzidos pelo Diretor Rodrigo Siqueira Arajeju. Numa entrevista (Rádio Yandê),  Rodrigo diz que sua principal motivação foi estar a serviço das resistências de Nações Originárias no Brasil e projetar suas vozes de autodeterminação na televisão, com o objetivo de contrapor o discurso midiático anti-indígena vigente há décadas.  Este vídeo, de acordo com a descrição realizada por Arajeju, foi censurado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, para a Sessão Solene em homenagem ao Dia do Índio – realizada no dia 16/04/2015, no Plenário Ulysses Guimarães. Produzido pela 7G Documenta em apoio à Mobilização Nacional Indígena – com roteiro de Rodrigo Siqueira e Elisa Malta, que também editou, a partir da seleção de cenas do filme ÍNDIO CIDADÃO? (DF,2014) -, o vídeo foi considerado ofensivo a imagem do Parlamento brasileiro. (Rodrigo Arajeju – 7G Documenta)

Flor Brilhante e as cicatrizas da pedra
Premiado documentário dirigido por Jade Rainho, Flor Brilhante e as cicatrizes de Pedra, traz a história de Flor Brilhante, matriarca de uma  família de rezadores Guarani-Kaiowá que vive na reserva de Dourados-MS, Brasil,   cerceados de seu modo de viver originário e convivem com os efeitos e mazelas causados pelas explosões continuas de uma usina de asfalto, que dinamita e explora uma pedra sagrada no território da aldeia há mais de 40 anos. Segundo a diretora, Flor brilhante é resultado de m desejo de realizar um documentário ativista, nascido da vontade servir o povo indígena Guarani-Kaiowá e criar um espaço em que pudesse contar suas histórias e  denunciar as violações de direitos humanos e ambientais seculares que vivem no estado do Mato-Grosso do Sul. Este documentário foi realizado em outubro e novembro de 2012, de forma totalmente independente.

Notas:
(1) Naine Terena, Doutora em Educação, comunicóloga, Mestre em Artes. Professora pesquisadora do Ateliê de Imagem e Educação Unemat / midialivrista. Oráculo, comunicação, educação e cultura.
(2) SKLlAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Tradução de Giane Lessa. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.